Novas cafeterias ocupam prédios históricos e resgatam a memória de Fortaleza
03/08/2025
(Foto: Reprodução) Conheça a histórias das cafeterias em Fortaleza
O aroma do café no ar, o som de uma conversa ao fundo e um ambiente que resgata o passado: é assim que novas cafeterias em Fortaleza estão revivendo a memória da cidade. Ao ocupar prédios históricos, esses espaços revitalizados celebram a história local e proporcionam novos pontos de encontros na cidade.
Os novos espaços dialogam com a história dos cafés em Fortaleza, que remonta ao período da Belle Époque europeia (1871-1914), conforme explica o historiador Joatan Freitas. Influenciada pela Revolução Industrial e marcada por transformações tecnológicas e sociais, essa época impactou profundamente a arquitetura, o comércio, os costumes e os modos de vida nas grandes cidades do Ocidente, incluindo o Brasil.
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"Em Fortaleza, os cafés reuniam intelectuais, filósofos, historiadores, poetas, políticos, médicos e advogados, jovens de classes médias e ricas que se formaram principalmente em Portugal, na França e na Inglaterra. Eram jovens que acompanhavam as transformações ocasionadas pelas descobertas do período, como a energia elétrica, as fábricas têxteis, os bondes", explica o historiador.
Se no final do século XIX e início do século XX os cafés eram pontos de encontro essenciais, atualmente, a cidade vive uma renovação dessa tradição. Novas cafeterias ocupam prédios antigos e resgatam a memória cultural da cidade, ao mesmo tempo em que criam espaços de convivência para a Fortaleza atual.
🎉 Fortaleza 300 anos: À medida que a cidade se aproxima do seu tricentenário , a serem completados em 2026, o g1 publica, mensalmente, uma reportagem especial dedicada a resgatar as memórias da capital. Nesta edição, exploramos o papel das cafeterias na formação da cidade e como os novos empreendimentos resgatam antigas tradições.
Retomada de uma tradição antiga
No final do século XIX, a Rua da Alegria (atual Major Facundo) e a Praça do Ferreira eram o coração da vida social da cidade, locais que abrigavam os cafés mais emblemáticos da época, aponta Joatan. Entre eles, o Café Java, inaugurado por volta de 1887, se destaca como um dos primeiros e mais frequentados. Ao lado dele, estavam o Café do Comércio, o Café Elegante e o Café Iracema.
Geralmente, os intelectuais se revezavam nos encontros de cada Café, dependendo das atividades agregadas de cada ambiente, dos horários e dos acasos. Entre eles, temos Rodoldo Theófilo, Antônio Sales, Adolfo Caminha, Lopes Filho, Juvenal Galeno, Henrique Jorge, Jovino Guedes, Tibúrcio de Freitas, entre outros.
Café Java foi frequentado por intelectuais da época.
Reprodução/Unifor
Nas décadas de 1950 e 1960, os cafés de Fortaleza passaram a refletir o glamour da cultura americana, influenciados pela música, arte e cinema, além do desenvolvimento social e industrial no pós-guerra. Eles se tornaram mais populares, com confeitarias e lanches, e passaram a ser locais de encontro para trabalhadores do comércio e da indústria.
Entretanto, a partir das décadas de 1970 e 1980, o cenário começa a mudar. A ascensão das lanchonetes, restaurantes e, posteriormente, dos shoppings centers, aliados à aceleração da vida urbana e à verticalização da cidade, diminuem o papel central dos cafés.
"A aceleração do tempo-espaço no desenvolvimento social-capitalista substitui o glamour do passado pela lógica do tempo curto em que predomina a produtividade, a falta de tempo, as mudanças com a verticalização da cidade por meio de edifícios cada vez mais altos. O declínio do comércio tradicional com o crescimento dos shoppings e a mudança de parte das elites para os bairros Aldeota, Meireles, Varjota e Benfica também contribuem para o abandono dos cafés e do próprio centro da cidade", pondera o historiador.
Contudo, o historiador acredita que nas últimas décadas, Fortaleza tem vivido um resgaste histórico dos antigos cafés, com a revitalização de muitos espaços no centro da cidade e em bairros considerados nobres.
Penso que a ocupação de prédios históricos por novas cafeterias pode contribuir para a valorização e preservação do patrimônio da cidade, não como uma volta ao passado, mas como espaço de sociabilidade, preservação da memória histórica e de resgate da cultura com momentos teatrais, lançamentos de livros, campanhas democráticas de cunho político-social etc. Nesse sentido, essas experiências cotidianas dos cafés, além da sociabilidade, também servem para discutir os temas do presente, sem esquecer as experiências do passado.
Novas cafeterias
Fortaleza tem vivido um movimento de valorização do patrimônio histórico, e um novo conceito de cafeteria tem ganhado destaque na cidade. As tradicionais casas de café estão ocupando prédios históricos. Confira a seguir algumas opções.
Café Java
Réplica do Café Java foi inaugurada no Centro de Fortaleza.
Kiko Silva/Divulgação
Inaugurado em 1887, na Praça do Ferreira, o Café Java foi um ponto de encontro importante para escritores e artistas da Padaria Espiritual, movimento literário e cultural que surgiu em Fortaleza no final do século XIX.
Embora o prédio original tenha sido demolido, a Academia Cearense de Letras inaugurou em 2025 uma réplica do café no Palácio da Luz, resgatando parte desse importante capítulo da história da cidade.
"Hoje, nós estamos operando tentando recuperar um pouco daquela história que aconteceu antigamente. Hoje, a gente tá aqui trazendo o que acontecia antigamente muito forte no Café Java que é a cultura cearense, tanto na parte da literatura quanto na música", declara Lidson Costa, sócio do Café Java.
Café Comércio
Café Comércio ocupa prédio histórico no Centro de Fortaleza.
Divulgação
O Café Comércio é um empreendimento que alia gastronomia cearense à preservação histórica, por meio de uma arquitetura inspirada na Belle Époque. Localizado no Centro da cidade, o café traz a atmosfera dos antigos cafés e praças frequentados na época, com uma ambientação que remete ao passado e valoriza a identidade local.
“O Café Comércio entende que reviver o prédio histórico, preservando sua arquitetura e valorizando sua história, gera um impacto muito positivo na salvaguarda da memória urbana da cidade. O espaço já se configura como um ponto cultural, contando a sua própria história, além de abrigar uma pequena mostra com a linha do tempo do uso do imóvel desde sua construção, atraindo tanto cearenses quanto turistas”, aponta Christiane Caldas, Arquiteta e Coordenadora de infraestrutura do Sistema Fecomércio.
Café Comércio ocupa uma construção do século XIX.
Divulgação
O espaço também funciona como empresa-escola, integrando formação profissional em Gastronomia e Hospitalidade, sob responsabilidade do Senac.
Casa Pâine
Casa Pâine está localizada em um casarão histórico do bairro Aldeota.
Divulgação
“A escolha de um prédio histórico para sediar a Casa Pâine foi motivada pelo desejo de reconectar a cidade com sua memória arquitetônica e afetiva, ocupando de forma consciente um imóvel que carrega valor simbólico para Fortaleza”, explica Juliana Cardoso, sócia do estabelecimento localizado num casarão na Avenida Santos Dumont, nº 938, um dos primeiros do bairro Aldeota.
Durante o processo de restauração e adaptação do imóvel, elementos originais foram preservados, como as pinturas e as esquadrias em madeira nobre. Outros detalhes, como o piso da sala de visitas e o telhado original, foram restaurados ou reproduzidos com base nos elementos achados.
Para Juliana, a reutilização do espaço é uma forma de "promover a valorização do patrimônio urbano, aliando preservação histórica e inovação no uso". Em junho, após 13 anos desde o início do processo, o imóvel foi finalmente tombado.
"A proposta da Casa Pâine foi transformar a antiga residência em um espaço vivo, onde o passado dialoga com o presente, criando uma experiência sensorial e cultural para quem visita e é apaixonado por pães artesanais" , afirma.
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