O que mudou em João Pessoa nos últimos 40 anos: economia, novos bairros e a autoestima da cidade
05/08/2025
(Foto: Reprodução) O que mudou em João Pessoa nos últimos 40 anos: economia, novos bairros e a autoestima da cidade
Créditos/Rede Paraíba
João Pessoa completa 440 anos neste dia 5 de agosto. Detentora de vários nomes durante o decorrer do tempo, a capital paraibana também protagonizou mudanças profundas nas últimas quatro décadas, quando se fala de economia, geografia e história.
Os últimos 40 anos foram importantes para o desenvolvimento da capital, que se redefiniu economicamente, geograficamente e também consolidou novas formas de reconhecimento da população para com a identidade do município, a partir de movimentos sociais.
O g1 entrevistou especialistas de diversos segmentos, que explicaram sobre o desenvolvimento da cidade nesse período e apontaram o que esperar para o futuro.
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De uma economia 'pouco dinâmica' a uma força do turismo
Um dos especialistas entrevistados, o doutor em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Cássio Bessaria, conta que na década de 1980, começo do recorte estabelecido pela reportagem, a economia da capital estava voltada principalmente para serviços públicos.
“Nos anos de 1980, o município de João Pessoa ainda dependia muito do setor público, que dominava a economia local, puxado pela administração e serviços como saúde e educação. O comércio vinha logo atrás, suprindo as demandas da cidade que crescia, enquanto a indústria era pequena, focada em alimentos, bebidas e construção”, disse.
O economista destacou que os poucos segmentos que se destacavam, além do setor público. Um deles, era a agropecuária, muito forte no interior mas abastecia a capital. Nesse período, ele enquadrou a economia da cidade como sendo “pouco dinâmica”.
Esse cenário, segundo Bessaria, começa a mudar somente a partir da década de 1990, quando a cidade se abre para o turismo. E, com isso, a requalificação da orla - que na visão do especialista é fundamental para a abertura ao capital de turistas, o que ajudou a diversificar a economia local. Depois dessa abertura, houve o “boom” imobiliário nas região.
“Entre 2010 e 2020, consolidou-se o setor de serviços, com expansão de universidades e shoppings. Após 2020, surgiram polos de tecnologia e o turismo ganhou destaque no período que sucedeu a pandemia da Covid-19. Essas mudanças foram impulsionadas por investimentos públicos e privados em infraestrutura, habitação e conectividade. A cidade expandiu-se verticalmente na orla e horizontalmente em áreas periféricas, diversificando sua economia”, ressaltou.
E como a receita do turismo, além do dinheiro que é gasto pelas pessoas que vêm de fora do estado na economia local, é gerado? O economista explica que a requalificação da orla atraiu investimentos juntos ao setor imobiliário. Esse setor arrecada, além da venda de ativos, também com o recolhimento de impostos, que podem ser destinados, posteriormente, pelo poder público para outras medidas que visam fomentar essa área.
"A verticalização do entorno contribuiu para o aumento das receitas municipais por meio do IPTU e do ISS da construção civil, ampliando a base tributária local", disse.
Prédios no bairro do Bessa, em João Pessoa
Krys Carneiro/G1
Uma ponderação feita pelo especialista dá conta de que esse processo, fundamental para diversificar a economia da cidade, também gerou reflexos entre os mais vulneráveis, forçando essa parcela da população a sair dos bairros próximos ao mar para o interior, gerando áreas periféricas.
"Esse processo também resultou na elevação dos preços dos imóveis, promovendo o deslocamento de populações de menor renda para bairros periféricos e gerando novos desafios ambientais e de mobilidade urbana, associados ao adensamento populacional e à pressão sobre a infraestrutura existente", ponderou.
Ele explicou também que o setor de serviços, que se estabelece junto ao do turismo em João Pessoa, nos últimos 40 anos, representa mais de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) municipal atual.
E o rendimento da população de João Pessoa melhorou nos últimos 40 anos?
Em termos de PIB per capita, o da capital atualmente é R$ 26.936,78.
Jornal Nacional/ Reprodução
Em pesquisa realizada pelo próprio economista para a matéria, o pesquisador auferiu que o rendimento médio dos habitantes de João Pessoa mudou nos últimos 40 anos, passando por um crescimento ao longo das décadas, desde 1980. Em termos de PIB per capita, o da capital atualmente é R$ 26.936,78.
Para simplificar, o PIB per capita corresponde ao valor total da produção de bens e serviços de um país (ou região) dividido pelo número de habitantes.
“A renda média real dos habitantes da capital paraibana também avançou desde os anos 1980, impulsionada principalmente pela formalização do trabalho nos setores de comércio, serviços e construção civil. Conforme dados do IBGE, em 2022, o salário médio mensal dos trabalhadores formais era 2,7 salários-mínimos”, explicou.
Uma cidade ainda desigual socialmente
Apesar da mudança da matriz econômica de João Pessoa, descentralizando do setor público, o que possibilitou um desenvolvimento e crescimento de renda para os pessoenses nas quatro décadas em questão, Cássio Bessaria ressalta que a cidade tem habitantes muito mais pobres do que com boas condições materiais de subsistência.
Ele apresenta um dado de que a capital paraibana era a de maior concentração de renda entre todas as capitais do Brasil, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ele diz também que isso se reflete na diferença geográfica dentro da cidade.
"A cidade ainda apresenta profundas desigualdades socioespaciais entre os bairros centrais e litorâneos, mais valorizados, e as áreas periféricas. Regiões periféricas continuam enfrentando desafios relacionados ao transporte público irregular, à carência de saneamento básico e à escassez de oportunidades de emprego formal em seus próprios territórios. Além disso, persistem disparidades no acesso à saúde de qualidade, o que reforça as desigualdades e limita as possibilidades de inclusão produtiva e social de parcelas expressivas da população", destacou.
Mudanças geográficas em João Pessoa
Um dos aspectos de desenvolvimento da capital paraibana durante os últimos 40 anos também é o geográfico. É o que explica o professor do programa de pós-graduação em Geografia e presidente do Observatório das Metropóles na Paraíba, Alexandre Sabino, da UFPB, que reforça a visão de que a cidade cresceu, mas não de forma planejada.
"Nas últimas quatro décadas, em função de um planejamento urbano equivocado e do uso e desuso de alguns instrumentos de gestão urbanísticas e jurídicas, não tem ocorrido esse crescimento como deveria ser, com o crescimento territorial excedendo o populacional", disse.
O professor contou que a área urbana de João Pessoa cresceu cerca de 277% nos últimos 40 anos. A população, conforme levantado, cresceu 87%. Ele diz que com uma área grande e com uma população que não acompanhou é algo negativo, porque grandes espaços têm que ser percorridos para chegar a alguns lugares.
Ele diz que essa mudança, com o crescimento desordenado, inclusive, não segue o movimento de outras cidades grandes em termos urbanos no Brasil. Isso porque, atualmente, no Urbanismo, a tendência é a compactação, ou seja, com um adensamento populacional maior para que não exista grandes deslocamentos.
Além disso, o professor explica que alguns bairros que surgiram em João Pessoa, como Mangabeira e Valentina, e foram localidades que ajudaram nas demandas da população sobre moradia a partir dos anos 80, fazendo parte do movimento de aumento geográfico nos últimos 40 anos.
Entre os impactos disso tudo, estão problemas básicos, como saneamento, abastecimento de água e esgoto sanitário.
'Não distanciar a memória da cidade dos sujeitos que moram nela'
Comércio em João Pessoa
TV Cabo Branco/Acervo
Em termos de transformações históricas relevantes nesse período, o doutor em História pela UFPE, Waldeci Ferreira, destacou que o principal marco nessas quatro décadas foi o crescimento populacional e isso acabou influenciando uma série de mudanças. Ele disse que esse crescimento aconteceu, mas de forma desorganizada, atingindo diretamente a forma como as pessoas se organizam.
“O crescimento da população, ou podemos dizer da cidade, porém de modo desordenado, sem infraestrutura. A mudança do espaço comercial do centro da cidade para os diversos bairros da cidade, a exemplo de Mangabeira, Torre, Tambaú, que tem se constituído espaços comerciais, sobretudo, na prestação de serviços, o que levou muitas lojas existentes no centro da cidade a fecharem e abrirem nesses bairros”, explicou.
Além de questões práticas que acarretaram mudanças históricas que são sentidas até os dias atuais, uma série de movimentos sociais também aconteceram nesse período e acabaram moldando o imaginário do pessoense e como ele enxerga as questões sociais do município.
O também professor de História explica que movimentos estudantis, de trabalhadores, religiosos, o movimento negro e de mulheres foram alguns dos que marcaram ativamente a história da capital e também moldaram a identidiade atual de João Pessoa.
“Todos esses movimentos foram e são importantes porque eles contribuíram para redefinir a cena social e política da cidade, a medida que esses movimentos influenciaram na política local, quando representantes foram eleitos, e mesmo que não tenham sido, passaram a pautar questões que até então os gestores/as locais não tinham prestado atenção”, explicou.
No que diz respeito a construções históricas e estruturas da capital, o historiador destaca que houve mais perda de patrimônio do que preservação desses prédios, monumentos e outras edificações nesses 40 anos.
“Creio que tenha havido mais perda, que preservação, principalmente do casario particular, os proprietários deixam o imóvel tombar e explora o terreno como estacionamento privado. As igrejas têm se mantido, porém malcuidadas”, ressaltou.
Ele explica que para as construções que são de responsabilidade do poder público, é necessária maior atenção para, inclusive, restaurar alguns pontos na capital e também preservar os que ainda permanecem em boas condições.
Essa série de adaptações no patrimônio histórico, segundo ele, é importante para manter a memória da cidade viva para as próximas gerações, algo que é pilar para qualquer município se manter vivo e crescendo, passando a história de geração em geração.
“A criação de arquivos, museus, a manutenção e preservação do acervo existente nesses espaços. A preservação e manutenção pode melhorar ampliando o acesso aos estudantes da educação básica, de modo que conheçam, se reconheçam e passem a valorizar o patrimônio da cidade, que é a memória, mas também a história da cidade. Não distanciar a memória da cidade dos sujeitos que moram nela”, contou.
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