Quem é Victoria Villarruel, vice-presidente da Argentina que rompeu relações com Javier Milei
19/07/2025
(Foto: Reprodução) Villarruel entrou na política em 2021 como deputada, fazendo parte do partido liderado por Milei.
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Da proximidade à frieza e, por fim, à ruptura. Assim evoluiu a relação entre o presidente argentino Javier Milei e sua vice-presidente, Victoria Villarruel, que explodiu publicamente nos últimos dias.
As primeiras desavenças vieram à tona no ano passado, manifestadas por pessoas próximas ao presidente. Mas em 25 de maio deste ano, o distanciamento de Milei com sua vice ficou evidente quando, durante a celebração da Revolução de Maio, na Catedral de Buenos Aires, o mandatário se recusou a cumprimentar Villarruel.
Agora, pela primeira vez, a vice-presidente respondeu por meio de suas redes sociais.
A crise se intensificou após uma sessão no Senado em que foram aprovadas leis propostas pela oposição, como o aumento das pensões e subsídios para pessoas com deficiência, o que, segundo o governo, compromete o equilíbrio fiscal.
Sem citar o nome de sua vice, Milei a chamou de "traidora" nas redes sociais por permitir, como presidente do Senado, que a sessão acontecesse.
Desta vez, Villarruel não ficou calada e sugeriu que o presidente se comportasse "como um adulto".
Respondendo não diretamente ao mandatório, mas a seguidores de Milei no X, a vice-presidente chegou a questionar o fato de o presidente gastar com "viagens" e com a Side (agência de inteligência) em vez de assistência social.
Crise entre Milei e Villarruel se intensificou após o Senado, presidido pela vice-presidente, aprovar leis da oposição.
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Embora tenham chegados juntos ao poder, em dezembro de 2023, Milei e Villarruel representam setores distintos dentro da direita argentina: ele, um economista libertário com um discurso antissistema; ela, uma advogada conservadora, nacionalista, tradicionalista católica e vinculada ao meio militar.
Assim como Milei, a vice-presidente é relativamente nova na política — foi eleita deputada em 2021, após anos atuando como líder ativista em defesa de vítimas da violência de grupos armados de esquerda dos anos 70.
Com raízes familiares ligada aos militares, e uma oratória incisiva, Villarruel construiu sua figura política própria, que hoje reivindica um espaço além da sombra de Milei.
Ativista criada entre militares
Victoria Villarruel, de 50 anos, cresceu em uma família de Buenos Aires com fortes vínculos com as Forças Armadas, algo que marcou profundamente sua visão de país e sua trajetória.
Seu pai, Eduardo Villarruel, foi oficial do Exército argentino, especializado em ação psicológica e geolocalização. Já seu avô, o contra-almirante Lauro Hedelvio, foi um dos mais importantes historiadores da Marinha.
"Ela cresce em um ambiente em que o pai teve uma ascensão na carreira antes e durante a ditadura (1976-1983). E, quando chega a democracia, tudo começa a dar errado para a família", explica a jornalista e escritora Emilia Delfino, autora do livro A General, uma biografia não autorizada sobre a vice-presidente.
Eduardo Villarruel se negou a jurar a Constituição durante o governo democrático de Raúl Alfonsín (1983-1989), o que lhe rendeu sanções e o colocou em conflito com a cúpula do Exército.
"Me parece que essa frustração, esse ressentimento e, sobretudo, essa sensação do pai, de ser um perdedor o tempo todo — que para ela é um herói, não um perdedor —, influenciou muito", afirma a escritora.
Após se formar em Direito pela Universidade de Buenos Aires, Victoria Villarruel ampliou seu perfil com um curso em segurança e combate ao terrorismo nos Estados Unidos.
Seu salto para a vida pública se deu nos anos 2000, com a fundação do Centro de Estudos Legais sobre Terrorismo e suas Vítimas (CELTYV, na sigla em espanhol), uma ONG que promovia o reconhecimento das vítimas civis das organizações armadas de esquerda dos anos 70, como os Montoneros e o ERP.
Com o CELTYV, Villarruel foi pioneira na defesa das vítimas das guerrilhas — em contraposição aos desaparecidos da ditadura —, o que lhe permitiu "entrar no debate público ao forçar a reabertura de processos, argumentando que esses crimes não prescreveram e também configuram crimes contra a humanidade".
Diversas organizações de direitos humanos a acusaram de revisionismo histórico e de manter vínculos com defensores da ditadura militar, que resultou em milhares de mortes, torturas e outros abusos.
Villarruel nega essas acusações e afirma que sua luta é "pelos direitos das vítimas civis do terrorismo", alegando que essas pessoas foram historicamente ignoradas.
Milei chama vice de traidora após Senado argentino aprovar aumento da aposentadoria
Sua escalada política
Villarruel entrou para a política em 2021 por meio do partido La Libertad Avanza liderado por Milei e sua irmã, Karina.
Emilia Delfino atribui a entrada de Villarruel no partido às recomendações de setores nacionalistas conservadores que buscavam dar mais peso ideológico ao projeto libertário de Milei.
"Ele já representava os liberais libertários. Precisava agregar o outro setor de direita, o conservador, o não liberal, o que se considera nacionalista, o católico. E, dessa forma, aglutinar melhor o voto da direita para ganhar mais força nas eleições de 2021, que eram eleições legislativas", explica.
E destaca que, durante os dois anos em que Milei e Villarruel atuaram como deputados, a relação entre eles foi próxima e "até carinhosa".
Contudo, essa sintonia começou a desmoronar durante a campanha presidencial de 2023.
Uma das chaves para o distanciamento foi a relação distante de Villarruel com Karina Milei, figura central na organização política do governo, a quem a vice-presidente "sempre tratou de evitar", segundo Delfino.
"Sempre houve muita desconfiança da parte de Karina em relação a Victoria, e muita subestimação da parte de Victoria em relação a Karina. A relação delas nunca foi boa, e não houve tentativa de melhorá-la", relata.
A relação ruim entre Villarruel e Karina Milei, irmã do presidente, teria sido um dos fatores que levou à ruptura
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A falta de conexão com a influente irmã do presidente excluiu Villarruel do núcleo de decisões estratégicas, o que fez com que ela tentasse construir seu próprio espaço.
"Ela levou bandeiras com um 'V', de Victoria para um ato político, e isso foi muito mal visto porque no partido não há espaço para outra coisa que não seja Milei", conta Delfino.
A autora da biografia de Villarruel também destaca que a vice-presidente começou a ocupar espaços deixados por Milei.
"Milei faltava a um ato cívico em uma província, ela ia lá e ocupava aquele lugar. Milei não negociava com os governadores, ela se reunia com eles. Milei não queria negociar com ninguém da oposição, ela dialogava com a oposição. Ela supriu essas ausências buscando se fortalecer."
Assim, o distanciamento entre Milei e Villarruel foi se agravando até que o recente confronto público selou essa ruptura.
"Parece difícil que isso tenha volta, eles são muito intensos. Ainda que na política tudo seja possível, especialmente na Argentina, onde os políticos já se atacaram duramente e depois apareceram na mesma chapa, essas feridas pessoais não vão ser fáceis de curar", comenta Delfino.
Villarruel já havia demonstrado sinais de querer mais espaço dentro do partido liderado por Milei.
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Missa em latim e as Malvinas
A identidade pessoal e política de Victoria Villarruel é marcada pelo catolicismo tradicionalista, o nacionalismo e uma retórica direta e de confronto.
Devota da Virgem Maria, Villarruel frequenta desde jovem uma igreja lefebvrista — uma corrente ultraconservadora do catolicismo, considerada "mais à direita do Opus Dei" na Argentina, segundo Delfino.
"Ela prefere a missa em latim, uma missa muito voltada para o interior, muito pessoal, muito individual. Vai inclusive com a mantilha, com o véu, e fica em um canto para não chamar muita atenção, porque agora perdeu o anonimato — e sente muita falta disso."
Villarruel é uma católica devota de Virgem Maria e costuma ir a missas ministradas em latim.
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Apesar de sua defesa da família tradicional, Villarruel nunca constituiu uma. Seu único casamento acabou em divórcio, e ela conseguiu a anulação eclesiástica para poder continuar comungando.
Já seu nacionalismo difere do de Milei em algumas questões.
"Há algo que vem alimentando o conflito entre eles: a questão das Malvinas", ressalta Delfino.
Ela lembra que a vice-presidente já questionou publicamente decisões do atual governo que, segundo ela, contradizem a soberania argentina sobre o arquipélago das Malvinas, e já criticou a admiração de Milei pela ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher.
Por outro lado, analistas apontam que a maior vocação institucional de Villarruel — em contraste com o libertarismo antissistema de Milei — dão a ela uma maior capacidade de diálogo com diversas forças políticas do eclético parlamento argentino, inclusive com a oposição peronista.
Aspirante a presidente?
De toda forma, o grande trunfo político de Victoria Villarruel é sua retórica, que lhe confere uma valiosa capacidade de impacto em discursos e debates.
"Ela é brilhante na oratória. Sua grande força política é essa: a palavra. Convencer com a palavra e destruir o adversário com a palavra. Uma fonte que a conhece há duas décadas a definiu como uma atiradora de elite, alguém que atua sozinha, não em equipe, e que é muito certeira em seus disparos", relata Delfino.
Muitos acreditam que a vice-presidente aspira ocupar a cadeira de Milei no futuro.
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Villarruel mantém uma relação próxima com sua única irmã, Virginia, a quem é atribuída a gestão de suas redes sociais, apesar de ela negar.
Seu estilo de vida já gerou controvérsia: em 2024, ela alugou uma casa em um bairro exclusivo no norte da Grande Buenos Aires por um valor que, segundo fontes citadas por Delfino, passava de 50 mil dólares por ano.
"Ela diz a pessoas próximas que usou uma herança da avó para pagar o aluguel, herança que não está declarada", indica a escritora.
A vice-presidente chegou a se queixar publicamente que seu salário oficial são "duas chirolas", expressão argentina usada para se referir a um valor insignificante.
Assim como Milei, é apaixonada por cachorros e tem dois, Gaucho e Capitán. Villarruel também "gosta muito de elogios, de presentes, de ser celebrada", segundo Delfino.
O ego inflado da vice-presidente é, para muitos, um sinal claro de que ela tem ambições presidenciais.
Delfino cita uma entrevista com Emilio Viramonte Olmos, homem de confiança de Villarruel até maio deste ano, que garantiu: "todas as noites eu dizia a ela [Villarruel]: 'Pensa para que você que ser presidente'."
"Acredito no que seu antigo braço direto confirma: há uma ambição de ser presidente. E me parece que a frase também confirma que ela ainda não decidiu para quê. Como se existisse a ambição, mas faltasse a decisão", avalia a autora de A General.