Relatório aponta degradação das águas do Rio Capibaribe: saneamento básico é desafio que envolve debate sobre privatização da Compesa
22/03/2025
(Foto: Reprodução) No dia Mundial da Água, celebrado neste sábado (22), relatório da Fundação SOS Mata Atlântica é um alerta ambiental e sobre a qualidade de vida das populações que vivem às suas margens. Relatório da Fundação SOS Mata Atlântica classifica água do Capibaribe como ruim
A qualidade das águas do Rio Capibaribe, que "corta" a cidade do Recife, é considerada ruim e piorou no ano passado, segundo relatório da Fundação SOS Mata Atlântica (veja vídeo acima). O estudo foi divulgado na véspera do Dia Mundial da Água, celebrado neste sábado (22).
Intitulado "O retrato da qualidade da água nas bacias hidrográficas da Mata Atlântica", o levantamento reúne dados coletados entre janeiro e dezembro de 2024 em 145 pontos de 112 rios que passam por 14 estados. Os locais analisados foram divididos em cinco categorias: ótima, boa, regular, ruim e péssima. O trecho do Capibaribe é um dos 20 pontos avaliados como ruins.
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"O que assusta é que, na classe ruim, estamos em intermediário. Não estamos mais próximos do regular. E, pelas nossas análises desde 2015, estamos cada vez pior. Nosso medo é chegar em péssimo", disse ao g1 o professor de biologia Clemente Coelho Júnior, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Pernambuco (UPE), que faz parte do projeto.
Com a nascente no município de Poção, no Agreste Central de Pernambuco, o Capibaribe percorre 42 municípios do estado até desaguar no Oceano Atlântico, no Recife.
No trajeto de 242 quilômetros de extensão, segundo levantamento da Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco (Condepe), recebe resíduos de esgotamento sanitário e industriais que interferem na qualidade da água e, por consequência, na qualidade ambiental e na saúde das populações que vivem às suas margens.
Em Pernambuco, o estudo feito pelo SOS Mata Atlântica coleta a água em quatro pontos. Dois deles ficam no Rio Capibaribe, sendo um em Limoeiro, no Agreste do estado, e o outro na capital pernambucana. Conforme o relatório, o primeiro trecho se manteve "regular", enquanto o segundo passou de "regular" para "ruim".
Os outros dois pontos de avaliação de águas fluviais presentes na pesquisa estão nos rios Jaboatão, no município de Jaboatão dos Guararapes, e Beberibe, em Olinda — ambos na Região Metropolitana do Recife. Neles, a qualidade da água permaneceu regular durante todo o ano passado.
Poluição e falta de saneamento
Imagem de arquivo mostra vista aérea do Rio Capibaribe, que 'corta' a cidade do Recife
Reprodução/TV Globo
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No Recife, o monitoramento é realizado mensalmente, há dez anos, por pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas da UPE e do Instituto Bioma Brasil, nas imediações do Jardim do Baobá, localizado no bairro das Graças, na Zona Norte da cidade.
Segundo o professor Clemente Júnior, as análises levam em conta 16 parâmetros para medir o nível de poluição da água, incluindo não só o aspecto, como odor, transparência e temperatura, mas também a concentração de coliformes fecais e substâncias químicas, como nitrato e fosfato.
Para o especialista, o problema está relacionado à baixa cobertura de saneamento básico das residências. Dos cerca de 1,4 milhão de habitantes que vivem no Recife, menos da metade (49,5%) tem acesso à rede de esgoto, de acordo com o Ranking do Saneamento Básico de 2024, produzido pelo Instituto Trata Brasil.
"Não temos toda a coleta de esgoto, ou seja, para onde vão os outros 50%? Para os rios, para os córregos d'água, por ligações clandestinas da rede pluvial ou diretamente. [...] É o esgoto 'in natura'. O maior problema que a gente tem hoje no Rio Capibaribe é a poluição orgânica", explicou.
Conforme o professor, o que hoje garante uma sobrevida ao Capibaribe é a vegetação do manguezal nas margens e o movimento das marés. Mas a natureza sozinha não dá conta da quantidade de resíduos tóxicos despejados diariamente no rio ao longo dos anos.
"No verão, a vazão [de poluentes] em direção à bacia do rio é três vezes maior do que a vazão do próprio rio. [...] Quando maré sobe, renova um pouco o Capibaribe, por isso a gente ainda encontra vida e se surpreende vendo capivaras, jacarés, alguns pouquíssimos e raros peixes, muitas aves. Se não tivesse esse mecanismo de renovação que são as marés, certamente estaríamos classificados como 'péssimo'", afirmou Clemente Coelho Júnior.
O Capibaribe tem salvação?
Embora o cenário do Rio Capibaribe seja ruim na capital pernambucana, o biólogo e mobilizador da SOS Mata Atlântica Cesar Pegoraro explicou que exemplos ao redor do mundo demonstram que ainda há esperança para o rio pernambucano, mas a despoluição depende de esforços coletivos entre o poder público, a iniciativa privada e a população.
“A humanidade já fez isso. Se nós olharmos para os países do Velho Mundo, a Inglaterra, por exemplo, tem o Rio Tamisa. O Tâmisa é um dos rios da Revolução Industrial. Ele já foi muito pior do que o Capibaribe é hoje e, atualmente, no Tâmisa, se pesca salmão. As pessoas usam o Tâmisa como transporte, ele é seguro para o contato. A mesma coisa no Sena, no Tejo, no Reno”, explicou o educador.
A recuperação e a despoluição dos rios não se resume a modelos europeus. Cesar Pegoraro apontou o exemplo do Rio Jundiaí, em São Paulo. Após quase 20 anos de trabalho de revitalização, a água foi considerada 100% boa no levantamento do SOS Mata Atlântica de 2017. A melhora possibilitou o retorno do peixe jundiá ao rio, que não era visto em seu habitat desde 1980.
Segundo o biólogo, existe atualmente uma variedade de metodologias acessíveis que podem ser adotadas para o tratamento de esgoto e resíduos industriais, mas falta envolvimento da sociedade e do poder público para que mudanças significativas sejam implementadas.
“Na Alemanha, eles descentralizaram as estações de tratamento de esgoto; ou seja, todo bairro tem a sua estação. As pessoas enxergam para onde vai o esgoto delas e o esgoto tratado é jogado no rio que elas usam. Elas monitoram o funcionamento das estações porque, se der pau, simplesmente elas não vão poder pescar, o rio vai ficar fedido”, disse.
Além do envolvimento da população e da necessidade de políticas eficientes para o tratamento do esgoto, Cesar Pegoraro apontou que também é preciso que as empresas se comprometam com a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
A lei regulamenta a gestão de resíduos sólidos no país, incluindo a implementação de sistemas de logística reversa.
Pela norma, fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos como pneus e equipamentos eletrônicos precisam realizar o manejo de resíduos de forma independente do serviço público de limpeza urbana.
“As indústrias colocam embalagens no mercado o tempo inteiro, mas não têm políticas de logística reversa. Pela lei, essas empresas deveriam coletar essas embalagens. Para cada pneu que eu ponho no mercado, eu tenho que absorver esse pneu de volta na reciclagem. Só que isso, infelizmente, não acontece. [...] Não tem uma fiscalização sobre essa lei, não tem políticas públicas que viabilizem essa lei ser executada”, apontou.
O papel da Compesa
O governo de Pernambuco atualmente discute a concessão parcial da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa). Na proposta, a Compesa continua responsável pela produção e pelo tratamento de água em todo o estado, mas a distribuição passa para a iniciativa privada.
O plano do governo estadual é de que coleta e tratamento de esgoto no interior do estado e de Fernando de Noronha sejam entregues à iniciativa privada. No Grande Recife, o projeto diz que o serviço de esgoto continua com a parceria público-privada que a Compesa tem com a empresa BRK.
Na última quinta-feira (20), foi realizada uma audiência pública, na Câmara Municipal do Recife, para tratar do assunto. Servidores da Compesa, vereadores e membros de associações ambientalistas demonstraram preocupação com o processo de privatização que, segundo eles, pode encarecer a conta para a população.
O assunto voltou a ser debatido na sexta (21). O presidente da Compesa, Alex Machado Campos, participou de uma reunião articulada pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) para debater a ampliação de crédito para projetos de saneamento básico na região.
Segundo Alex Campos, o estado precisa de uma verba bilionária para alcançar a cobertura de 90% de rede de esgoto e 99% de cobertura no fornecimento de água potável para a população de Pernambuco até 2033, prazo máximo dado pelo Marco Legal do Saneamento Básico.
“A conta dos especialistas é que Pernambuco precisaria de algo em torno de R$ 35 bilhões para universalizar a água e o esgoto. Agora nós estamos indo para um novo modelo, previsto pela lei federal, no qual a gente pode atrair a iniciativa privada para fazer um esforço conjunto”, disse Alex Campos.
Procurada pelo g1, a Compesa disse que “o desafio no quesito esgotamento sanitário é enorme”. Segundo a companhia, é necessário mobilizar R$ 18,3 bilhões somente para construir a rede de esgoto.
Apesar da piora na qualidade da água do Rio Capibaribe no Recife, a Compesa também afirmou que:
O Programa Cidade Saneada, no Grande Recife, investiu cerca de R$ 3 bilhões, beneficiando mais de 1,4 milhão de pessoas;
Até o final da parceria público-privada com a BRK, em 2048, serão investidos mais de R$ 9 bilhões em esgotamento sanitário;
Junto com o governo do estado, colocou “em funcionalidade plena” a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Cabanga e ampliou a ETE São Lourenço da Mata;
Concluiu a ampliação e a modernização da ETE Minerva, em Dois Unidos, na Zona Norte do Recife.
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